No Budō o reigisaho tem uma importância fundamental. Para o praticante ocidental, com tradições culturais diferentes das orientais, as exigências da saudação nas artes marciais japonesas, como o Judō, o Aikidō, o Karaté-Dō, entre outras, são comportamentos que lhe são estranhos e que por vezes adquirem um carácter tão só de obrigatoriedade. Todavia,
"qualquer arte marcial pressupõe a existência de uma severa disciplina na sua execução e aprendizagem; uma arte oriental não se pode conceber sem etiqueta. Diz-se que a arte marcial japonesa começa e termina pela delicadeza e respeito mútuo, indispensáveis à elevação da personalidade."[2]
O dōjō deve ser um local onde se desenvolve uma personalidade forte, com qualidades como a humildade, a lealdade, a cortesia, onde o caminho deve ser o de um conhecimento cada vez mais profundo de si mesmo, onde é importante Ter presente o significado da saudação, da cortesia, da etiqueta. Porquanto o dōjō é «un lieu sacralisé» onde se procura «l'unité du corps et de l'esprit par le cœur, centre d'énergie de la véritable communication, du ressenti, de la compréhension authentique...». É também, no dizer de Herrigel, "desde os tempos mais remotos: Lugar da Iluminação."
Podem encontrar-se duas atitudes básicas nos praticantes perante a saudação. Uma consiste na execução da saudação como se de uma mera obrigação se tratasse; a outra na execução da saudação de modo rígido e formal sem que seja acompanhada da consciência profunda do sentido do ritual, sem a consciência de que o dōjō é «le Temple privilégié où se célèbre une sorte de liturgie.»
A compreensão da importância do cerimonial é fundamental. A saudação é uma introdução à aula que permitirá ao praticante afastar a mente das preocupações e stress quotidianos, permitindo-lhe a concentração que a prática das artes marciais exige.
Por outro lado as artes marciais tradicionais desenvolvem, através da sua prática a agressividade de cada indivíduo (não confundir com violência). A saudação evita a degeneração de comportamentos agressivos, impedindo a falta de respeito pelo parceiro de treino.
Em todas as artes marciais tradicionais, podemos encontrar o reigisaho, concretizado de modo diferente de arte para arte, mas mantendo, quase sempre, o mesmo espírito e função.
No Ocidente, a aceitação ou rejeição do ritual da saudação, correlaciona-se com a atitude, mais ou menos tradicional que os praticantes têm para com o Budō. Nas escolas tradicionais, havendo um processo mais profundo de aceitação da cultura oriental, a forma de estar destes adeptos, dentro e fora do dōjō, na prática marcial e na vida, traduz, em regra uma maior compreensão da etiqueta tradicional.
Tradicionalmente, no Budō a etiqueta deve ser uma constante da vida. Os gestos devem ser belos, precisos, lentos, mesmo os mais quotidianos, como sentar, ou levantar, caminhar, ou dar algo a alguém. Pois "chaque geste devait être executé de maniére à ce qu'il permette, dans la fraction de seconde qui suit une attaque-surprise, de recourir à la riposte efficace.»[7]
É entendido, tradicionalmente, que a forma de saudar, só por si, revela o nível de compreensão da arte.
A função psicológica da prática marcial é influênciada pela saudação. A forma de o fazer poderá dar-nos indicações sobre a personalidade de um praticante, se ele é tímido, agressivo, reservado, etc..
A saudação interfere não só com as funções psicológicas, mas também com as funções fisiológicas.
A saudação, considerada num plano prático, é uma tomada de consciência do corpo e do controlo respiratório através de um movimento bem simples. E isto é tão verdade, que a estabilidade e segurança de um mestre, na saudação, são evidentes. De tal modo que o contrário também é verdadeiro. O valor marcial de um indivíduo revela-se na saudação. Não é credível que alguém que não consiga manter-se sentado de modo estável para saudar, consiga executar com eficiência um outro movimento. Como ensina o saudoso Jazarin, os verdadeiro Mestres saúdam
"profundamente, casi de forma majestuosa, porque toda su experiência, su conocimiento, su humildad están presentes en esse saludo."[8]
O controlo respiratório pode ser exemplificado com o ritsu rei, ou tachi rei, isto é, saudação em pé, com os pés em musubi dachi:
Os calcanhares devem estar unidos, a frente dos pés afastados cerca de 45.º, pernas direitas, coluna vertebral erecta, ombros naturalmente colocados na sua posição anatómica, mãos abertas e dedos esticados, colocadas lateralmente nas coxas. No instante anterior ao da saudação inspira-se. Quando o tronco faz uma certa flexão em frente, expira-se. No momento em que o tronco retorna à vertical inspira-se novamente, podendo a expiração seguinte servir para a execução imediata de uma técnica, seja de ataque ou de defesa. A descrição respiratória é válida para o zarei, a saudação feita a partir da posição de sentado – seiza.
Num dōjō podem encontrar-se vários tipos de saudação.
A prática marcial começa com uma saudação interna, a saudação a si mesmo, dirigida ao íntimo de cada um, com a qual se pretende alcançar o Mestre Interno [9].
Ao entrar no local de prática há uma primeira saudação exterior, aquela que é feita ao dōjō, com a qual se demonstra respeito ao lugar da prática.
Com o início da aula todos os praticantes executam, ao mesmo tempo, uma saudação à tradição passiva. Esta saudação feita em direcção ao kamiza, «local dos deuses», onde simbolicamente a tradição passiva se condensa, é o kamiza ni rei, ou shomen ni rei. Representa o respeito pelos mestres que nos antecederam, pela cadeia de transmissão do saber. Exprime o respeito pelas gerações anteriores, que nos legaram a arte com sofrimento e por vezes com o custo da própria vida. É não só uma humilde e sincera homenagem à tradição passiva, mas também uma forma de inspiração no seu exemplo.
Segue-se a saudação à tradição activa. O Mestre volta as costas ao kamiza e é saudado – é o sensei ni rei. Traduz o respeito devido ao mestre, como representante, através da actividade de ensino e de aprendizagem do Budō, da tradição activa.
Se estiverem perante a classe vários mestres há, neste momento, lugar ao yudansha ni rei, a saudação entre os mestres.
Segue-se, durante toda a prática, no início de cada exercício, de cada técnica, de cada combate, a saudação ao companheiro, o otogai ni rei. Representa o respeito profundo pela integridade física e psicológica do outro. Significa que, através o nosso esforço e empenho na prática, lhe vamos proporcionar a possibilidade de progredir.
No fim de cada aula repete-se o percurso acima referido, com pequenas alterações na ordem das saudações.
Algumas escolas tradicionais, ainda cultivam o sempai ni rei, saudação entre os alunos mais adiantados e os mais novos – o Mestre já não faz a saudação. Representa o respeito que é devido pelos mais novos aos anciãos – sempai.
Durante a saudação, o estado de alerta, zanshin, e de antecipação deve ser permanente para evitar um ataque de surpresa. Este estado tem a ver com a percepção paranormal desenvolvida pelas artes marciais tradicionais, pelo maior ou menor potencial de ki do praticante. Mas neste trabalho não desenvolveremos estes temas, pois são questões que agora não nos ocuparão.
Deve ter-se presente que as noções de sensei, sempai, ou principiante são relativas. Como regra deve reter-se que um praticante novo deve inclinar-se profundamente, ao que o sensei responderá com uma ligeira inclinação. Assim numa aula um shodan pode ser sensei e na aula seguinte, ministrada por um 5.º dan, em que todos os outros alunos têm graduações entre 2.º e 4.º dan, não passa e um principiante.
A maneira de efectuar a saudação tem vários entendimentos: um marcial, outro energético e outro simbólico.
Ilustremos o que se afirma com saudação praticada em seiza. A primeira mão a ser colocada no solo em frente do corpo é a mão esquerda. No plano marcial, em caso de ataque do adversário, a mão direita pode desembainhar uma arma ou executar um movimento defensivo, se não houver armas. Se baixasse as duas mãos ao mesmo tempo isso não aconteceria.
No plano energético, a mão esquerda está associada à energia negativa (ura) e a mão direita à energia positiva (omote). Aquela tem um efeito destrutivo, esta tem um efeito construtivo.
O descer da mão esquerda à terra é um gesto simbólico da recusa de fazer mal, em relação àquele que é saudado. Em simultâneo, o contacto da mão com o chão neutraliza a potencialidade energética desta mão destruidora.
Com a colocação das duas mãos no chão, estas formam um triângulo equilátero.
No plano marcial a finalidade é a de evitar um ferimento grave no nariz. Em caso de ataque à cabeça por parte de um adversário, o nariz está protegido e não será esmagado no chão.
A nível energético permite a circulação de energia em circuito fechado, possibilitando a concentração mental.
Este gesto simboliza a reunião de três lados: o homem, o céu e a terra. Também simboliza a junção entre tradição passiva e a tradição activa, em que o Mestre desempenha um papel fundamental: é ele que transmite o conhecimento que já anteriormente lhe tinha sido transmitido. É um circuito de transmissão do conhecimento.
O triângulo simboliza também a capacidade de defender, assim como também a de atacar.
A consciência do elevado valor energético e marcial da etiqueta e da cortesia deve estar sempre presente naqueles que seguem o Budō.
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