segunda-feira, 28 de maio de 2012

De Okinawa ao Japão

Por outro lado o surgimento da palavra "karaté-do" é indicador da influência da cultura Japonesa sobre o TÉ de Okinawa (Naha-té, Shuri-té e Tomari-té como centros principais). Este movimento dos Okinawenses quererem o Okinawa-té como um Budo, encerra, quanto a nós, uma riqueza operacional tão importante como a influência Chinesa.
Curiosamente TOKITSU na sua magnífica obra de 1994, evidencia a precocidade com que o Karaté se tornou um Budo, fazendo a apologia de que, ao contrário de outros Budo, o desenvolvimento do Karaté ainda não está suficientemente maduro.
TOKITSU (1994) coloca o Dr. Jigoro Kano (1860-1938) como personagem fundamental no desenvolvimento recente do Karaté. Em primeiro lugar, quando Gichin Funakoshi (1868-1957) é encarregado de ir a Kyoto fazer a apresentação do Karaté de Okinawa no âmbito de uma exposição nacional de educação física em 1921, está longe de pensar que não voltaria tão cedo a Okinawa; Jigoro Kano, que tinha funções importantes no ministério da educação, convida-o a fazer uma apresentação do Karaté no seu dojo de Judo em Tóquio: Kôdôkan (17 de Maio de 1921).
Segundo relatos de Shinkin Gima, originário de Okinawa e estudante universitário que participou nessa demonstração, após G. Funakoshi fazer a apresentação do Karaté de Okinawa e do itinerário de cada um deles, executou o Kata Kûshankû e, de seguida, Gima executou o Kata Naifanchi. Depois fizeram um exercício de combate convencional. No fim da demonstração Jigoro Kano disse a G. Funakoshi: "Penso que o karaté é uma arte marcial honrosa. Se a quiser difundir em Hondo [ilha central do Japão], conte com qualquer tipo de ajuda. Diga-me o que posso fazer por si". Pensa-se que foram estas palavras que encorajaram Funakoshi na divulgação do Karaté de Okinawa e que o fizeram decidir pela renuncia ao retorno a Okinawa (TOKITSU, 1994, pp. 61-64).
Mas a sua influência não se fica exclusivamente pelo Okinawense G. Funakoshi. Na sua primeira viagem a Okinawa em 1922, Jigoro Kano "faz um discurso sobre o budo japonês que provoca, nos adeptos de Okinawa, uma reflexão sobre a qualidade cultural da sua arte e a consciência da sua vocação" (TOKITSU, 1994, p.85). Em 1926, na sua segunda viagem a Okinawa, é preparada uma demonstração em sua honra e Chojun Miyagi (1888-1953) foi encarregado de a comentar. Miyagi desenvolve a partir daí uma atitude determinada em relação ao desenvolvimento do Karaté de Okinawa descrita num comentário referido a um dos seus discípulos (Niisato): "O Homem deve engrandecer o seu próprio ser pela prática do Budo, como o refere Mestre Kano. Quero tornar o Karaté digno de estar no nível do Budo pela sua qualidade [...]" (Ibidem).
Jigoro Kano chega a dizer a C. Miyagi e K. Mabuni (1889-1953): "Penso que do ponto de vista da educação física e moral, a arte de combate de Okinawa no futuro deverá ser desenvolvida em grande escala. Logo que obtenha um certo grau de difusão em Hondo (ilha principal do Japão), terá, naturalmente, uma hipótese de ser integrado no Butokukai. Gostaria que tivésseis em conta esta questão e que considerásseis a vossa arte do ponto de vista global do Japão" (Ibidem, p. 95).
Sendo membro da Câmara dos Pares, com responsabilidades no ministério da educação e tendo sido condecorado com a Ordem de Mérito que, instituída pelo governo Japonês, era uma das mais altas distinções do estado, Jigoro Kano tinha uma posição hierárquica bem superior à do mais alto dignitário de Okinawa. O seu interesse eclético pelo Karaté influenciou de forma marcante a direcção do seu desenvolvimento moderno que os Mestres de Okinawa passaram a protagonizar de forma coordenada. Houve, assim, uma influência "externa" que lançou um objectivo comum a todos eles: tornar a "arte de Okinawa" um Budo.
Fica-nos, deste modo, evidenciado o facto de o Karaté não ser um fenómeno isolado, mas sim um confluir de vários conhecimentos num determinado espaço-tempo.


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